domingo, novembro 30, 2008

A SÍNDROME DA VIDA MODERNA


Quando entrei no elevador, um homem já estava lá. Olhei para os meus pés, senti as mãos inquietas, juntei os pés, olhei de soslaio pra ele e senti minha cabeça formigar. Meu nariz coçou, eu coçei; minha bochecha coçou, fiquei com vergonha de coçar, respirei. Olhei para cima de mansinho, e com o canto do olho, percebi que ele me observava, corei. Baixei os olhos e pensei: “ele vai me atacar”. Olhei para o painel: ainda estavámos no quarto andar e eu ia para o décimo, mas quando apertei o quinto, ela já havia passado, “dancei”.

O elevador abriu no sexto, e eu não consegui me mexer, fiquei estática olhando o vão da porta... olhei para ele desesperada, que me olhou como se eu fosse louca. Apertei o sétimo: ele me olhou confuso, e sem se mexer, ainda assim eu pensei: “é agora que ele vai me estrangular!”. O elevador parou, desci sem olhar para trás. Quando o elevador se foi, apertei o botãozinho, chamando-o novamente. Meu corpo tremia, mas eu me sentia esperta: “me salvei. Ele vai matar o cão, não eu... com aquela cara de estuprador...” . Eu estava em pânico, mas viva. Em pânico todo mundo fica, o que importa é sair ilesa e eu estava ilesa, quase borrada, é verdade, mas ilesa.

O elevador chegou. Entrei cabis-baixa ainda me recuperando da tremedeira. Vi a porta se fechar e ao levantar a cabeça: me deparei com o mesmo moço! Minha bexiga gritou, lembrei das séries policiais na TV à cabo, pensei nos filhos, nos amigos e até nos inimigos, e fechei os olhos para não ver meu fim. O elevador parou. Eu não sentia dor. Mexi a mão, ainda estava lá; toquei a perna, ainda estava lá; passei a mão na face e senti o sangue escorrer , “não é adocidado igual dizem nos filmes”, abri os olhos devagar e vi que não era sangue, era o meu suor.

Olhei para o painel, que indicava o térreo, e senti as cãibras percorrerem o corpo todo... O moço desceu do elevador olhando para mim, lançando chispas de medo e tudo o que consegui foi forçar um sorriso amarelo para os que pacientemente me esperavam sair do elevador para dar lugar a eles, que, em segundos, sentiriam o que eu havia acabado de sentir mentalmente, afinal tudo não passou do delírio de uma das milhões de loucas que sentem o mesmo medo, cada vez que se defrontam com um estranho em um elevador.

É a síndrome da vida moderna, que acha pouco o número de loucos que já fez e se empenha em fabricar mais. Bem vindo ao clube você também, pois ainda que diga que não, sente sim, o que acabei de passar no elevador.

Núbia Dutra

sábado, novembro 22, 2008

QUASE


QUASE POSSO SENTIR
TUAS DÚVIDAS
QUASE POSSO DESFALECER
INCRÉDULA

QUASE VENHO A TE SENTIR
TÃO LONGE
QUASE POSSO DECIDIR
EMBORA NÃO DEVA POR TEU NOME

QUASE ME ARRASO ERRADO
QUASE ME ABAFO EM LEMBRANÇA
E CALADA QUASE ME DOU NOVAMENTE
ERRADA

Núbia Dutra

domingo, novembro 16, 2008

O CONSOLO À DESPEDIDA


Li a carta de despedida
de Gabriel Garcia Márquez.
Li a dor da impotência,
vi a dor da quase ausência.

Senti a falta dos anos dourados.
Ouvi o solfejo desesperado.
Não me escuso de assumir
o quanto a sua dor me tocou.

Não importa a sua fama,
nem que fosse alguém da lama,
meu pesar seria igual.

Pude ver as mágoas,
pude ver o seu não ir;
pude ver o querer ficar.

Vi até o que já foi,
pude ver as reservas
de construções não acabadas,
sei também das baladas
que não poderão ser dançadas.

Vi um choro seco como o deserto;
vi um ente apaixonado;
vi arrependimentos da labuta;
vi desejos não alcançados.

Quanto seu pesar da ida me tocou.
Quisera eu poder transcender,
ter consigo um momento,
lhe acalentar em um intenso silêncio
que frase nenhuma pode alcançar.

Abrandar o seu medo,
encolher sua dor,
trazer-lhe numa bandeja
um minutinho a mais,
meu até, eu lhe daria
e nada cobraria
por uma ilusão de paz.

Peço que o pai lhe alcance
e sem pressa lhe console.
À moda da viola,
ou com um tango apaixonado,
diferença não fará.

Desde que não lhe mostre a pistola,
desde que não lhe dê a esmola,
pois filho nenhum rirá.

Basta que o pai plasme
um lindo jardim de violetas
com cheiro de laranjeiras,
com rosas muito brejeiras
e hortênsias a lhe cercar.

Que lhe mostre a cor lilás
como um sinal da paz
e lhe aperte em seu seio.

A mim só resta a prece
de quem não o conhece,
mas os medos são iguais.

Ide aos céus, irmão
e verás que lá também tem paz
e quem sabe uma pena
com restinho no tinteiro.

Quem sabe um candeeiro
para te continuar,
para nos iluminar
com as letras universais
lá no jardim da paz.

Rezarei em verso e prosa,
arriscarei algumas rimas,
rimas pobres, rimas ricas,
mas a sua regalia
não terá avaria,
sairá do coração.

terça-feira, novembro 11, 2008

QUINTO DOS INFERNOS

Tenho andado pelas ruas, simplesmente andando, sem dar por mim, sem dar por ti, sem dar por nós. Penso que pequei. Penso que pecamos cada vez que saímos às ruas sem ver a beleza das arvores; andamos pelo asfalto sem nos dar conta que ali tem suor pesado de gente que trabalha; ouvimos o canto dos pássaros como se poluição sonora fosse, sem agradecer por sua comunicação cantada. Olhamos as pessoas amassadas nos ônibus, sem agradecer pelo carro; cruzamos a rua quando olhamos o papelão que abriga o sem teto, esquecendo de agradecer a casa com paredes sólidas.

Esquecemos de agradecer a vida. Nunca nos lembramos de tratar os outros como se fossem nós mesmos. E assim a tolerância se esconde por detrás do stress, e dos ditados populares: “pensar na vida não rende dinheiro”, “tempo é ouro”, quando tudo isso não passa de coisa de filósofo de mesa de bar, ou não?

Quem de nós acorda e vai até a janela agradecer ao sol, agradecer ao dia, sorrir por estar vivo? Enquanto tantos estão nos leitos dos hospitais vegetando através de aparelhos...

Quem de nós racionaliza e economiza as palavras cruéis direcionadas ao outro, quando nós mesmos não gostaríamos de ouví-las?

Quem de nós se priva de uma paqueradinha enquanto a cara metade trabalha para dividir o orçamento da casa?

Quantos de nós passam por esta vidinha de meu deus olhando o focinho de outro e esquecendo o seu próprio rabinho?

A verdade é que tratamos o mundo como se ele estivesse aos nossos pés e existisse somente para nos servir. Acabamos com a água, poluímos o ar, invejamos e matamos, tudo pelo poder.

Se você acha que estou errada: comece a escovar os dentes com a torneira fechada e depois me prove que, ao morrer, todos não viram carniça. Prove que você será o único a continuar lindo. Aí então eu cairei aos seus pés, ó miraculoso!


quinta-feira, novembro 06, 2008

SUBLIMAÇÃO

Existe um tecido macio, cujo toque é muito agradável e sutil, que dá uma sensação de leveza, cujo nome é veludo e que é fácil de encontrar.

Existe uma fruta gostosa, cheirosa, de pura maciez, chamada pêssego que só é encontrada em seu esperado período de safra.

Existe uma sensação muito gostosa, delicada, refrescante, calmante, purificante. Denominada SUBLIMAÇÃO.

É raro encontrá-la, mas é possível e só depende de você. Cada pessoa possui um potencial de sublimar sentimentos e emoções negativas, desde que delas tenha total consciência e se determine a neutralizá-los. Sublimar é compreender que cada mau pensamento é infrutífero, que cada ódio faz parte de um processo autofágico e que liquidá-lo de forma serena é preciso. Sublimar é separar o seu lado primitivo do seu lado necessário. É trazer à tona o seu lado racional-emocionado.

Você acha que ele não existe? Então vamos pensar juntos. Num primeiro momento, pensamos em ser racional, pois logo vem o entendimento de que nossos pensamentos devem ser gelados, desprovidos de sentimentos, frígidos. Mas aqui me refiro à importância de que cada pessoa traga para junto de si o controle de seus sentimentos de forma a transformar os agressivos e rancorosos em sentimentos de resignação e perdão. Este é um pensamento racional e trás em seu bojo, a emoção do perdão, da aceitação.

Não estou falando do absurdo de dar a “outra face”, falo da possibilidade de criar mecanismos INTERNOS E PESSOAIS que possam evitar que a outra face seja ferida, ou até mesmo para evitar que se fira a face de alguém. Falo de um encontro íntimo, de você com o seu verdadeiro eu, através do qual você irá confessar os seus “podres”, (já que todos nós os temos) a si mesmo. Só você os ouvirá, mas caberá a você ser consciente o suficiente para ouvir a sua própria voz e compreender onde está errando, de que forma isso fere as pessoas e equacionar mudanças sutis, mansas, lentas, macias, de sabor agradável, refrescante, de suave toque, que cheire bem. Esta é a própria SUBLIMAÇÃO.

Você dúvida? Pois feche os olhos, recoste seu corpo na cadeira, relaxe os pés, feche os olhos e comece mergulhar em sua própria essência, em todos os seus feitos. Sinceramente, você gostou de tudo o que fez até hoje? Boa SUBLIMAÇÃO.

terça-feira, novembro 04, 2008

DUNAS

Subi no pau-de-arara com cadeiras macias ao contrário das de outrora. Prendi a respiração, desejei minha cama pensando nos ramais a percorrer, me perdoe se sou urbana. Que blasfêmia, que heresia! Pois quase perdi a primazia da natureza universal. Tanto cajú a dançar sobre minha cabeça a cada metro vencido e percorrido no arrochado caminho ermo, as carnaúbas absolutas lutando contra o vento onipotente, a plantação nativa tão soberana, o velho carro tão resistente.

Os galhos secos a me fustigar, aquelas dunas a me embebedar, qual o que? Eu sou apenas uma mulher, que como as dunas tem um par de peitos, mas o meu despeito é que meu defeito é não poder mudar. Mudar de lugar, mudar de curva, me insinuar, deixar o vento me navegar. Assim são as dunas lá dos lençois no Maranhão, que se transportam, formam curvas, corpo de mulher insinuante, mas tem o condão para no segundo olhar já terem mudado de lugar.

Coisa imperiosa, diante de teus olhos o vento desfaz os desenhos curvilíneos da areia e muda de norte para sul, te deixando nu, só a alma e a pureza das brancas dunas, te pondo de joelhos, curvado e enebriado berrando que Deus existe e que o cão nem passou por lá.

Falo da paisagem adornada pelas ovelhas a pastar no lagoa seca que logo haverá de alagar, falo das palmeiras trepidantes com o vento a lhe dominar, falo da imensidão que teus olhos não hão de alcançar, falo do céu tão azul que só Deus ousou desenhar, falo de gente sem dente que o dinheiro não deu para tratar, falo da montanha de neve que só o vento vai desmanchar, falo da minha terra que tem dunas a doidar. Onde todos são apaixonados pelas Dunas de lá.

Terra pobre, que recebe gente rica que fica mais rica, quando decide por lá se arranchar, levando seu quinhão para longe, outra nação, mudando de opinião de que o mundo vai acabar. Já os de lá, que outros mares nunca viram, se rifam por quilos, que de grão só um dia de riso lhe dá. Mas as dunas não ligam, não se envolvem, não se apegam, vem e vão, dançam seu baile, que nem em braile irá perdurar. E eu respiro cansada, ou mesmo extasiada de tentar analisar. Que engodo cruel! Nem mesmo um papel poderá relatar a beleza dos campos, da relva e dos prados que as Dunas vão encantar.

terça-feira, outubro 28, 2008

Gente, people ou pô meu?


Eu estou assím, meio que querendo uma coisa "clean", "sei lá meu", "tipo isso"... (risos) entendeu? Eu também não. Então você talvez entenda que eu não entendi nada quando a recepcionista de um hotel da capital mineira me perguntou se eu já ia fazer meu “checalt” (e não adianta falar mal que eu não vou escrever em inglês) e eu respondi: “Como senhora?”. Recebi um olhar de desprezo e uma resposta ácida como soda cáustica... “CHECALT, a senhora vai fazer agora?”. E eu rebati: “Desculpe é que pensei que eu estivesse no Brasil, mas avise seu gerente que eu estou pedindo a conta.”

Paguei o motorista de táxi e agradeci, e ele disse “OK”. Quando cheguei ao aeroporto, uma não tão gentil senhora, funcionária da empresa aérea, me comunicou na fila que eu teria que me aproximar de uma máquina inteligente para fazer o meu “chequim” (já disse que não escrevo em inglês) e eu obedeci mansamente.

Na tela, a infeliz máquina oferecia várias opções, dentre elas a de proceder usando o CPF, mas quando eu digitava o número do meu CPF, ela acusava erro... enfim, não consegui acompanhar aquela tecnologia de "ponta" (de lança) e pedi ajuda àquela “adorável” pessoa, mas ela me deu o segundo olhar de repúdio do dia e disse "A senhora não consegue porque não está colocando o número do “e-tiquete” (desista). Arrisquei bastante constrangida, "A senhora está falando do número do localizador?”. Ela respondeu: “E-TI-QUE-TE”. Eu, vencida e humilhada, respirei fundo e disse bem baixinho: "Eu vou voltar para aquela fila de onde eu nunca deveria ter saído. Vou querer ser atendida por uma daquelas lindas atendentes... e corre lá e avisa que eu só falo português, caso contrário eu vou surtar aqui, enlouquecer, arrancar os cabelos, enfiar o dedo no nariz, fazer xixi no meio do saguão e voce não vai querer ver isso não é?”.

Assim, meus senhores, eu voltei pra casa uma pessoinha anarquisada, me sentindo, com amnésia em terra estranha. Conseguiu sentir o drama? Ahhh, isso não é nada! Assím que entrei em casa meu lindo filho pediu para ser levado ao estádio, ele e um amigo. No caminho ele me disse que o jogo seria o "maióbom" e o amigo requintou com um "é tipoisso", confesso que me vizualizei arrancando o cabo da internet e quebrando o computador de minha casa, fora as caveiras, martelos e caracóis que mentalizei, mas acabei me limitando a dar um sorrizinho e fui embora. De repente o celular tocou: era o meu big filho dizendo que o estádio estava "o maior vazio" e que ele queria voltar para casa. O amigo ficou por lá, tipo curtindo o "malzão do jogo".

Daí pensei: eu estou é dando murro em ponta de faca, assoviando e chupando cana, tocando o sino enquanto acompanho a procissão, furando água com pedra, cantando até rachar o bico, fingindo que filho de peixe peixinho é, deixando quem não me conheça que me compre, dizendo discunjuro, fazendo de conta que sou paidégua, arretada, pé de mulesta, que sou de arrancar o cano, que a coisa tá preta, que a coisa tá russa, que isso é coisa da puta que pariu, coisa do cacete, arre égua, que este povo tá pensando que é a bala que matou Senna ou a curva que matou Kennedy e que podem ir para as profundezas do inferno que eu só vou dizer “Ai, ai, mas eu estou é na TERRA BRASILIS”.


sexta-feira, setembro 19, 2008

LÁGRIMAS PARIDAS

ANDEI POR AÍ
ANDEI SOFRENDO
FIZ UM PARTO
DAQUELE PARTO

QUE ME PARTIU
E QUE PARTIU
E ME FLECHOU
E ME FECHOU
E ME DEIXOU

FOI SEM PENSAR
ALÉM DO MAR
NÃO SEI NADAR
SÓ ME APOIAR

FOI UMA ARESTA
DE UMA FRESTA
FOI UM TORMENTO
FOI UMA CULPA

VOLTEI AQUI
PRA ME SENTIR
ME APALPAR
E VELEJAR
ALÉM DO MAR

PODER TE VER
PODER TE BEIJAR
PODER TE CRER
PODER TE AMAR

quarta-feira, setembro 17, 2008

TENHO PENSADO

Sinceramente, resolvi mandar um e-mail para os meus amigos dizendo: “ Vocês estão proibidos de me telefonar. Não quero saber os seus segredos e não quero que o mundo saiba dos meus cabeludos" pra quem sabe depois subir na montanha mais alta e padecer de sofrimento no frio...

Você acha que eu estou louca? Então me explica como é que eu ainda posso me sintir à vontade para falar ao telefone se as pessoas não são grampeadas sozinhas?

Todo o pobre mortal que conhece alguém melhorzinho de vida está sujeito ao grampo, pois o infeliz não fala sozinho ao celular, ou fala? Não. Mas agora você pode estar resmungando: “ Quem manda ela ter boas relações...” E eu te respondo: “ Se eu me misturasse com gentalha vocês reclamariam; se falo com o rico, sou grampeada por tabela com ele; se falo com o político, estão todos grampeados: o corrupto porque o é, e o não corrupto porque pode ter algum podrezinho amoroso para servir de dossiê para o primeiro; se é juiz, tá grampeado. E pode ser que o grampeado também mande grampear e receba revanche do grampeado; se falo com o pobre, ele fala demais e vai contar podres que ouviu dizer e eu vou ter que testemunhar; se eu for do governo, eles me grampeiam; se eu for da oposição o outro me grampeia;

Tá confuso? Agora imagine, eu pensei bem e descobri que tá todo mundo lascado com esta ambição desmedida do homem, que não respeita mais nem a vida privada que já é tão esculhambada por outras mazelas humanas.

Sei, agora, vai dizer que é exagero. Ah é? Pois imagine você grampeado até na hora do gemidinho... um bando de arapongas sanguinários ouvindo teus As e Bs , rindo da tua simplicidade, da tua boa-fé, enquanto você se lasca para pagar os impostos que garantirão a boa vida deles.

Pense devagar, sem pressa, e depois me diga em que planeta você vai querer morar. Agora calma, meu fio, porque eu pensei primeiro. Então qualquer que seja o planeta que você ache o melhor: ele já é meu por direito. Ih! Puta merda, para que você foi responder? Agora eles já ouviram e vão chegar ao nosso paraíso antes. Besta, dançamos. Quem manda você falar demais...


APENAS UM TOC

A vida moderna, sequenciada por tudo que a cerca, têm suas vantagens: oferece instrumentos ao homem para que ele possa melhorar, se aperfeiçoar. Contudo, devido ao grande potencial mental, por estar cercado por elementos e variáveis estranhas, muitas são as marcas poderosas deixadas no homem.

É na mente que se encontra a capacidade de armazenar traumas que, se não forem sublimados ou analisados com ajuda profissional, tendem a se tornar malditos companheiros, transfigurando a existência das pessoas e criando-lhe sujeições nas mais variadas esferas da vida cotidiana.

Nesse sentido, é importante falar de uma das conseqüências mais curiosas e corriqueiras de um trauma: o TOC. (TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO), que faz com que a pessoa tenha a mente sobrecarregada por elementos traumáticos, tornando-se um constrangido e envergonhado escravo, muitas vezes discriminado pelos leigos ou pessoas que com ele convive.

Muitas são as possibilidades que geram o surgimento do TOC.

Pode ser desencadeada pela morte de um ente querido; por pressão demasiada sofrida na infância; não aceitação ao ambiente em que vive; e, sobretudo, em pessoas que já sofreram algum tipo de abuso sexual, principalmente na infância e não dividiram esta dor com alguém, criando alforjes pesados para o seu suporte.

Ao optar por não compartilhar sua dor o ente acaba privando-se de ajuda e passa a alimentar uma angustia que só tende a transformar-se em revolta, causando-lhe um transtorno capaz de transfigurar o comportamento de forma lenta e poderosa, pois é fato que uma dor represada é um perigo potencial para qualquer mente sã.

Entretanto, não estou dizendo que a experiência dolorosa, necessariamente, vá desaparecer de sua mente e que os problemas acabarão num passe de mágica. Afinal de contas, cada caso exibe sua singularidade, pois singular é a pessoa e infelizmente (ou felizmente) a mente humana não vem acompanhada de um manual (vai que ele cai na mão de um humano, aí o diabo vira moleque).


Outro aspecto importante a ser citado sobre traumas dessa natureza é o quanto é comum que a vítima comece a se torturar achando que tudo só aconteceu porque vacilou, deu bobeira, ou porque deixou de fazer isso ou aquilo.

A pessoa olha pra trás, para e pensa: “Eu poderia ter feito isso” ou “eu não deveria ter ido a tal lugar” poderia ter gritado, enfim... a mente procura exercer fixações inerentes a algum aspecto que tenha envolvido o evento desencadeador. Também é comum que a pessoa que foi agredida passe a considerar o lugar da agressão como maldito, e não mais se permita passar por ali,ou por qualquer semelhante. Iniciando assim uma verdadeira peregrinação, andando mais, ou buscando ruas diferentes no afã de evitar o contato com qualquer similaridade com o evento, pois fixou a idéia de que ao passar por alí o pior poderá se repetir.

É freqüente também que traumas se desenvolvam a partir de situações como essa: a mãe havia dito à criança que não percorresse tal caminho, pois o mesmo era perigoso, escuro, etc. Mas a pessoa insistiu, foi vitimada e passa a ser tomada de tal forma pela culpa, que inicia o pensamento fixo de que deve ser punido e só andará então pela mesma rua, como uma maneira de se penitenciar, revivendo diariamente a mesma dor.

Ou ainda inicia um processo de contagem de números: se contar até um número par, não acontecerá mais tragédia. Daí conta até cem, mas de repente se o número da sorte for o cento e doze? Conta o cento e doze. Se perto do local havia uma porta, a partir daquele dia toda vez que vir uma porta, vai fechar os olhos, ou mais, começa a andar de olhos fechados, para que não exista a possibilidade de vir uma porta, ou sempre que avistar uma porta, começará a orar ou toma um banho longo logo após o fato, mas continua se sentindo suja e inicia uma jornada eterna de banhos longos(existe banhos que duram até mesmo dez horas diárias). E por aí vai... Estas são algumas das mazelas a que a mente de criaturas mais desavisadas estão sujeitas.

Se uma pessoa vitimada, sobretudo de abuso sexual, conversar com alguém sobre a experiência, por mais doloroso que seja fazê-lo, certamente diminuirá as chances de sofrer um transtorno de comportamento com a amplitude do TOC.
Portanto, por menor que seja o seu problema, ou a sua angústia, divida com alguém. Na falta de um psicólogo, busque um amigo ou um parente de sua confiança .

Será de grande valia, pois com esta conversa, um bom choro e um forte abraço, você poderá evitar um inferno mental que pode se tornar perene. Se você não tem um amigo em quem possa confiar e desabafar, não espere lhe acontecer mais uma tragédia, pois você já estará vivendo duas, o TOC e a falta de amigos. Corra e procure um profissional para conversar e descobra porque o mundo inteiro se relaciona entre si e você não. Bom meu caro,você é que sabe, este foi apenas um TOC.